segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Texto Júlia Portes


Eu quero entrar em um ônibus e ouvir uma conversa de um casal atrás de mim que explique todas as minhas dúvidas, pra ver se assim eu posso começar a ter novas dúvidas 
Depois, eu vou no arpoador e tiro uma foto. Não será uma selfie, mas eu estarei na foto, com as mesmas dúvidas - não tinha nenhum casal esclarecedor atrás de mim e eu vim de metrô. Estou alguns minutos mais antiga, porque a gente tá sempre ficando mais antigo mesmo. Depois, eu chego no seu prédio, aperto o sétimo andar. Nunca achei sua cara morar no sétimo andar. Você tem cara de quinto. Chego em casa e te falo que não vou mais voltar. Eu vim pra dizer que não venho mais. Eu lembro que essa frase vem me acompanhando e que eu nunca comprei uma bola. Eu pego o elevador. Você diz pra eu não ir embora e o elevador não chega. Deve ser aquelas duas senhoras do terceiro andar que sempre ficam conversando e segurando a porta. Eu acho que, no fundo, elas não gostam de conversar e deve ser por isso que seguram a porta, é o corpo dizendo que quer ir embora. O que quer dizer eu na sua casa dizendo que vou embora, não indo embora e o elevador não chegando? Meus poucos anos de terapia dizem que isso quer dizer alguma coisa. O elevador desce. Por quê? Será que antes de eu chamar já tinham chamado lá no P? Eu não aguento mais pensar nas explicações dos detalhes que acontecem na minha vida. Você pode por favor lavar o prato mais rápido? Por que quando eu aperto 1 pra entrar no now demora alguns segundos? Por que construir o sistema, os eletrodomésticos, os bancos pra funcionarem contra a gente? Por favor, esteja do meu lado, eu disse pra ele. O elevador começa a subir e eu começo a pensar em todas as razões pelas quais eu ainda poderia ficar. Não encontro. Não ter coragem de ir embora já não é o suficiente? Vim pra dizer que não venho mais. É coragem ou auto sabotagem? Tem alguma relação essas duas palavras terminarem com "agem"?
Tem alguma relação na nossa relação? 
O elevador chega no quinto e eu ouço as vizinhas conversando. Mas se o elevador desceu antes de subir, por que elas estão subindo de novo? 
Eu choro, você se irrita. Eu choro mais. Você não diz pra eu ficar. Eu penso que a minha vida é boa e que você não gosta da palavra boa. Eu penso que eu quero que você se foda. Vai se fuder, eu digo. Mas eu gosto tanto de você, eu digo. Eu fico, se você quiser, eu digo. O elevador chega. As vizinhas não estão lá. Eu num ato dramático de filme ruim, solto a porta, te beijo. Ficamos de bem. A gente desce pra comprar uma bola e guardar no armário.

Júlia Portes

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