domingo, 5 de novembro de 2017

Texto Júlia Portes


Isso não é uma despedida 
Eu queria te dizer um monte de coisas ofensivas, mas não dizia só pra garantir que aquele " Tchau" não seria pra sempre. Só pra garantir que existe alguma maneira de voltar atrás, mandar uma mensagem como se nada tivesse acontecido ou esbarrar um dia na rua e saber que ainda existe reticências suficientes pra gente tomar uma cerveja juntos
Isso não é um fracasso 
Sobre os livros que não escrevi, as peças que não montei, os filmes que não fiz. Não seria possível, já que eu ainda sou projeto de pessoa, as coisas ainda estão pra acontecer .
Isso não é um sonho.
Nos sonhos existem imagens e aqui só tem palavras. É imagem que origina palavra ou palavra que origina imagem?
Também não é uma carta de nostalgia
De quando a vó ainda tava aqui pra costurar, a priminha mais nova nem pensava em existir e o vô ficava sentado no sofá.
Isso não é uma revolta
Mas poderia ser. Contra a flexibilização das noções do trabalho escravo, contra o arquivamento da acusações, contra o emenda tirando artes da grade obrigatória.
Isso não é uma declaração de amor.
( Pelo simples fato de que não te amo mais. Demorou, mas passou )
Nada disso é uma certeza.
Pois ninguém leu ainda e com o olhar de outra pessoa tudo pode mudar e coisas que eu nem imaginei passem a aparecer 
Talvez alguém diga que isso é um texto que explica alguma obra, bem na entrada do lugar onde está exposta. 
Ou uma junção de bilhetinhos trocados por duas amigas do ensino médio.
Alguém poderia ver uma data e um horário aqui e dizer que isso é uma passagem pra Austrália.
Ou uma fotografia. 
Seria isso uma fotografia?
Esse texto é imagem?
Ou um pãozinho com meia colher de manteiga tartaruga e um café com leite com mais leite que café?
Essa opção seria no caso da pessoa que tá lendo não gostar muito de café, mas fingir, já que acha chique aceitar um café. ( pra conseguir engolir mistura com bastante leite ). 
Isso poderia ser uma certidão de nascimento.
Leitor, Se você fosse contar sua vida pra alguém começaria do dia do seu nascimento? 
Isso não é um cachorro.
Leitor, O que tem mais importância o seu passado ou seu cachorro?
São reticências.

Júlia Portes

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