domingo, 17 de dezembro de 2017

Texto Júlia Portes


Eu queria poder escrever sobre aquela viagem pra Paraty
O dia em que a gente esteve lá e fez uma aula de yoga na cabana que você encontrou
Tudo isso seria mentira.
Estou limitada por aqueles encontros que tivemos em bares
Pela cerveja que era sempre da mesma marca
Por todas as vezes que na dúvida, você foi pela certeza
Eu tô limitada pelo nosso vocabulário pouco vasto - quer você concorde ou não - perto de todas as palavras da nossa língua sempre será limitado
Eu tô limitada pelo meio termo
Eu gostaria de escrever sobre aquela vez que você se levantou no meio da noite e propôs um mergulho na praia
E a gente foi
Porque eu dizia sim pra essas coisas
Só que seria mentira
As nossas aventuras tinham alto nível de análise e previsibilidade
Eu tô limitada pela sua inexistência na minha vida
Eu só uso a palavra "você", pois é mais poético escrever pra alguém
Parece que tudo fica mais interessante e curioso quando escrevemos coisas pra outra pessoa
Eu queria escrever sobre todas essas coisas que a gente acaba não fazendo em prol de seguir a rotina
E sobre tentar ter gratidão
E a importância de entender essa palavra que já tá bastante cafona igual a palavra cafona é cafona
Eu queria escrever sobre tudo que me constrange
Porque eu sei que são sobre essas coisas que se deve escrever
Mas eu só consigo falar que eu fui na padaria hoje e pedi 7 pães e o padeiro me perguntou se podiam ser 8 e eu ri e disse que sim e ele disse que não gosta do número 7, porque ele se lembra da copa do mundo.
Consigo falar sobre o chuveiro da minha casa ter uma boa ducha e a geladeira continuar congelando tudo
Ninguém sabe consertar
Não é fácil consertar coisas quebradas
Fica quebrando de novo
Eu consigo falar dessas frases com potencial metafórico
Mas será que escrever que a frase que eu escrevi tem potencial metafórico é acabar instantaneamente com a metáfora?

Júlia Portes 
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